segunda-feira, 26 de abril de 2010

O REFÚGIO DO DITADOR

Os maiores ditadores do mundo ultimamente tem reivindicado para si o título de democratas. Eis a razão pela qual a democracia poderia ser considerada o melhor esconderijo existente.
Valdson Amorim

terça-feira, 20 de abril de 2010

A FANTASIA DA AUTOSSUFICIÊNCIA

          É muito comum hoje em dia encontrar pessoas que se dizem autossuficientes, umas porque se acham expertos em diversos assuntos, outras porque não têm ideia da abrangência da própria ignorância e decidem aventurar-se pelo mundo do incógnito tido por manifesto e correto. É gozado como tanto a pretensão de conhecimento quanto a falta dele levam as pessoas para o mesmo caminho, neste caso, sentir-se autossuficientes.
          Autossuficiente é uma pessoa que “se basta a si mesma”, que só precisaria dela mesma para viver; em outras palavras, uma pessoa desconectada de qualquer outro ente deste mundo, coisa que constitui, no mínimo, um paradoxo. Sendo assim, autossuficiência parece ser uma ridícula fantasia, da mesma forma como a independência parece ser uma negação do outro. Em vida, a autossuficiência é uma espécie de antecipação da morte; depois da vida...; ah! Sabe-se lá o que viria a ser a autossuficiência, se é que depois da vida alguma coisa é.
          A dependência é nossa marca registrada; e pelo visto, nunca estaremos a sós e nunca nos bastaremos a nós mesmos. Nem o verbo se basta a si mesmo. Sempre é necessário um contexto para que a palavra seja. O que seria da palavra se não houvesse nada mais além dela? Nada! Ela mesma não seria. Nem Deus seria sozinho. Deus sozinho seria para quem..., em quem? Deus parece ser, ao que tudo indica (tudo mesmo, pelo menos até hoje), não mais que um artista que opera no grande anfiteatro que é o mundo dos humanos; e nós somos espectadores do nosso próprio teatro; amantes do probabilismo ideal. Eis aqui uma questão verdadeiramente humana, circunstancial, intelectual, de estado de ânimo: Deus.
          Até o pensamento tem que estar conectado a algo; caso contrário, não haveria pensamento. Pensamento sem palavra? Como corroboraríamos sua existência? Pode ser que haja técnicas modernas que deem conta disso. Mas Deus não nasceu hoje, convenhamos, e a sua complexidade deve ser resolvida de forma diferente.
          A solidão é um estado psicológico, algo que faz parte do mundo do “achismo” improvável. Quiçá o que as pessoas chamam de solidão sejam esses momentos em que gostariam estar a sós e não podem. Esta é uma questão tão abstrusa que chega a acabrunhar, torturar e dá uma sensação de mal estar. Seria isso a solidão..., uma idéia de carência, uma irrealidade que, paradoxalmente, expressa a insuficiência de si para consigo mesmo?
          A vida é uma conexão de coisas. Até quando desejamos estar a sós com nós mesmos necessitamos estar acompanhados, embora seja do silêncio, que não deixa de ser uma boa companhia nesses momentos de falta de chão, digamos assim. Ou estamos com o silêncio ou estamos com o barulho. A sós? Só na própria imaginação. Quando você achar que está só com seus pensamentos, abandonado em si mesmo, pergunte-se: os seus pensamentos são pensamentos de quê? Quando você encontrar a causa se convencerá de que não está realmente só, que está com seus pensamentos; mas somente depois de encontrar a causa, porque os pensamentos não seriam sem ela. A ideia de autossuficiência é, por tanto, falsa; é um refugio mental, uma interiorização da ignorância de seu próprio estado e das coisas que o acompanham.
          As coisas existem independentemente do pensamento de quem quer que seja; independentemente do estado mental de quem quer que seja, pelo menos quando não se trate de Deus, porque aqui as coisas se invertem. A dependência é uma realidade sem a qual não seríamos. Dependemos do outro a todo instante. Dependemos do ar, da luz, da água, dos políticos, das armas, dos pensamentos, das grades nas janelas e do silêncio; necessitamos do branco, do preto, do amarelo e do índio; necessitamos dos dicionários, principalmente deles. Não nos bastamos a nós mesmos. Do contrário, com quem nos comunicaríamos? Dependemos, para sobreviver, da boa vontade do outro que, por sua vez, necessita de algo para ser.
          Se você acha que é autossuficiente e, ainda assim, acredita em Deus, baita contradição o seu “achismo”! Talvez seja este um bom momento para repensar seus conceitos. Não se sinta mais que os demais; não tente impor sua opinião à força porque em algum momento você pode vir a ser forçado a aceitar outras opiniões. E pior que ser forçado a aceitar opiniões só mesmo a ilusão da autossuficiência e da vida eterna. Não menospreze os outros, porque o menosprezo é uma forma de autoeliminação. Dialogue em bom tom com as pessoas; seja flexível, porque a inflexibilidade é um sinal da ignorância da própria condição de dependente do outro. Vivemos neste mundo relações de eterna complementaridade; vivemos um atrelamento involuntário e quase irrefletido.
          A completude de cada sujeito não lhe é inata, vem de fora, e isso é um bom sinal de que a autossuficiência é a expressão da ignorância e da negação das coisas que constituem o ser humano. Mas não se ache diminuído por isso, porque a dependência não é uma questão de vontade, mas de essência; e não é só você que está nessa situação.
          Você pode ser rico ou pobre, preto ou amarelo, letrado ou ignorante, heterossexual ou homossexual com suas naturais variações; preconceituoso ou vítima de preconceito; você pode crer em Deus ou ser ateu, ser casado ou solteiro, político ou sem teto; quaisquer dessas coisas você pode ser, mas não menos dependente. Uma condição não elimina ou diminui a outra. O tetraplégico necessita de seu empurrãozinho para movimentar-se e você necessita dele para demonstrar sua solidariedade. A relação do homem com o mundo é de interdependência, não de suficiência.
Valdson Amorim

domingo, 18 de abril de 2010

OS RUMOS DA PRÓXIMA ELEIÇÃO

          A campanha eleitoral ainda não começou oficialmente, mas já se mostra acirrada. Por um lado, candidatos que se preparam para apostar todas as fichas em uma empreitada que promete grandes emoções e, principalmente, muito discurso; por outro lado, uma população de mais de cem milhões de eleitores esperançosos, mais preparados e críticos que antes e, sobretudo, preocupados com o país. Essa preocupação não é fruto do acaso, mas da experiência, da memória dos eleitores que até o presente momento não viram as grandes promessas políticas tornarem-se realidade em nosso país.
          Parece que é cedo para formar qualquer tipo de juízo sobre o processo eleitoral que se avizinha, mas é oportuno dizer que, a julgar pelas marcas da experiência, já temos uma ideia do que a próxima campanha eleitoral pode oferecer à sociedade. Nota-se neste momento, como nunca antes, certa ansiedade da sociedade pelo início da campanha. As pessoas têm boas perspectivas sobre o processo eleitoral deste ano. E isso pode se justificar pelo fato de que os eleitores de hoje têm mais consciência de que o momento eleitoral pode ser o início de um processo de mudanças significativas nos diversos âmbitos da sociedade.
          Os candidatos a representantes da sociedade terão nestas eleições pelo menos duas grandes responsabilidades. A primeira delas, como sucede sempre, é a disputa entre eles que deve ser diferente, haja vista o peso da história pessoal que acompanha a cada um deles. Foi-se o tempo em que se ganhava eleição a base de tentativas de diminuição da credibilidade do adversário. Agora cada candidato tem o seu próprio histórico público e está, de certa forma, exposto à possibilidade de que tudo seja revelado, para bem ou para mal, dependendo da ênfase que lhe for atribuída.
          A segunda grande responsabilidade que terão será com o eleitorado. O eleitor brasileiro hoje é mais consciente de seu papel na sociedade e sabe que a eleição constitui um momento sem igual no processo de construção do país. A experiência vivida e sentida obrigou o eleitor a ser mais crítico reflexivo na hora de exercer sua cidadania. A esta altura do campeonato não é qualquer discurso que atrai; não é qualquer proposta com nome de grande projeto que convence.
          A retórica dos candidatos -que sempre funcionou como arma letal- tem que estar mais afiada do que nunca; tem que estar carregada de sinais perceptíveis de que há possibilidades de o dito converter-se em feito. Isso só aumenta a responsabilidade dos candidatos e nos faz acreditar que a disputa será equilibrada, porque não bastará o discurso da desqualificação do outro; será necessário imbuir de confiabilidade o próprio discurso antes de tentar diminuir a credibilidade do discurso alheio.
          Esse é o tom da próxima campanha que se espera para este ano. Por um lado, os candidatos preocupados em apresentar propostas viáveis para o desenvolvimento do país e da sociedade em seus diversos âmbitos; por outro lado, o eleitorado mais reflexivo e consciente de que a eleição pode ser uma possibilidade única de dar um passo de qualidade na escolha de representantes cujas ações repercutirão, positiva o negativamente, sobre a sociedade como um todo. A qualidade da representação depende da qualidade da escolha que fizermos. E a escolha se faz antes. Pensemos bem, por tanto.
Valdson Amorim

sábado, 17 de abril de 2010

O MOVIMENTO DA VIDA REAL

          Você alguma vez se reencontrou com um conhecido depois de algum tempo e o notou diferente, quase irreconhecível, e se perguntou: “fulano está diferente ou são meus olhos?
          Saiba você que tanto ele quanto seus olhos já não são os mesmos. Desde o dia em que o fulano se foi, muitas coisas mudaram: o fulano, os seus olhos, e com os seus olhos também o seu ponto de vista sobre as coisas e ele, o fulano, claro, que agora já quase não encaixa no ângulo onde antes cabia perfeitamente. Talvez seja essa uma razão razoável para você pensar na possibilidade de mudar o ângulo, a perspectiva, a sua concepção das coisas e das pessoas, que com o passar do tempo mudam mais rápido que as coisas.
          O movimento parece ser uma das características mais marcantes da contemporaneidade. A impressão que temos é de que as coisas não param, assim como a vida parece não parar. A sucessão de acontecimentos é tal hoje em dia que a cada momento você é compelido a mudar de estratégias, de critérios e, inclusive, de objetivos, porque o objetivo ao qual era possível chegar ontem utilizando determinado método, hoje nos desafia, desafia as nossas técnicas do dia anterior. O que ontem estava ao alcance de nossas mãos, hoje vemos ironicamente vazar por entre nossos dedos. Nós também mudamos. Ontem éramos uma “coisa”, hoje somos outros. E entre “coisas” e “outros” há um abismo. Amanhã seremos sabe-se lá o quê, se melhor ou pior. Pouca relevância tem a expectativa sobre o que viremos a ser amanhã; melhorar ou piorar não vem ao caso; o que excita e dá a impressão de que estamos vivos na contemporaneidade é a própria mudança e não o que a acompanha.
          A cada dia as coisas estão distintas, mas, não por isso, descaracterizadas. Elas continuam em seu permanente processo de desenfreada transformação e nós continuamos não percebendo a transição, justamente porque os nossos olhos a cada instante se readaptam às suas mutações. A partir daí pode-se afirmar que coisas e olhos não param nunca; as coisas sempre fazendo novas poses e aparecendo diferentes na foto; e os olhos sempre correndo atrás de enquadrá-las de novos ângulos, novas perspectivas; e tem que ser assim, porque, de ser de outra maneira as coisas se estatizariam.
          Que ontem nada era como é hoje, isso já sabemos. Mas o mais importante de tudo isso é que, tal como se nos aparecem, nem ontem nem hoje coisas e pessoas eram ou são; dá a impressão de que ontem tudo estava e nada era. O presente das coisas e pessoas parece não ser outra coisa que um fugaz instante que é e logo deixa de ser, que está e logo desaparece; tudo acontece tão rapidamente que o passado parece sempre suceder ao presente, deixando-nos sem respostas, sem ação, mas também sem medo, porque assim como está não continuará; essa é uma de nossas poucas certezas, talvez a mais consoladora.
          Nesse movimento eterno de mudança de estado nada parece permanecer. Só o dito parece permanecer como foi dito; mas sempre há possibilidade de ser redito e até contradito. E a verdade viaja no trem dessa perene oscilação entre dizer e retificar, pulando de dente em dente. A cada abrir de boca sai uma verdade diferente. Mas a verdade não é uma só? Claro que não. Isso já foi explicado há mais de sete mil anos. A verdade depende do ponto de vista, e se a vista muda, nada mais justo que considerar a mudança do ponto de onde a verdade é vista; ou seja, é preciso mudar a perspectiva do olhar, porque o olho já mudou e você nem percebeu.
          Até Deus mudou de ponto de vista várias vezes. Antes ele estava vigilante, acordado 24 horas à espreita de um desavisado que devesse ser castigado pelo seu erro; hoje ele está as mesmas 24 horas em vigília, mas é para perdoar a quem erra, porque, finalmente, parece entender que o humano é diferente dele. Condenar e perdoar são duas coisas em extremos opostos. Olha só quanta mudança de perspectiva! Mas Deus é Deus e para ele tudo parece ser mais fácil. Em todo caso, não se confiem muito, já que as mudanças que ele sofreu nunca foram anunciadas por ele pessoalmente. Do que nos chega sobre ele podemos concluir que ele também é adaptável.
          E aí, já se convenceu de que tanto o fulano quanto seus olhos não eram os mesmos? A vida, amigo, é um eterno aproximar-se e distanciar-se. Aproxima-se de umas coisas distanciando-se de outras, e assim o movimento se mantém intacto, paradoxalmente. A nostalgia de umas coisas é substituída pelo gozo de outras. Coisas e pessoas desaparecem, e das cinzas das idas surgem as vindas. O espaço de quem está indo vai sendo ocupado pela silhueta inquieta e insinuante de quem vem vindo. O gerúndio é o tempo que prevalece; e como não haveria de prevalecer se ele é o tempo da transição? Desse modo, nostalgia e esperança são sentimentos de mesma intensidade, ambos inseparáveis do ser humano, que dadas as circunstâncias, poderia ser chamado de “estar humano”.
          Nesse mundo em que coisas e pessoas vêm e vão (e parece que às vezes vêm só pelo prazer de um dia ter que ir) temos obrigatoriamente que ir readaptando-nos às novas circunstâncias; temos que mudar constantemente  os moldes das coisas, abrir-nos às possibilidades, porque vivemos em um mundo de coisas possíveis. Por isso, a mudança de ângulo, de perspectiva e de conceitos parece estar estreitamente vinculada à sobrevivência. O que não muda enferruja; o que enferruja perde movimento; e como a relação entre vida e movimento é de necessidade, veja você o que acontece com quem se mantêm inflexível em seus pensamentos, em suas opiniões, em seus pontos de vista, aferrado a algo que já não é, mas que parece-lhe ainda ser, porque não se permitiu ver a transição do ser para o não ser. Veja você!
          Mudança é a palavra de ordem na contemporaneidade. Tudo deixa de ser o que era antes. A política, por exemplo, antes era o instrumento através do qual caminhava-se para a felicidade; hoje é, para muitos, uma profissão. Deus antes era carrasco, hoje é amor para uns e inexistente para outros; a ética era um conjunto de regras que orientavam a conduta humana, hoje cada um tem sua própria ética e a utiliza para subjugar os demais à sua conveniência.
          Abramo-nos às possibilidades, possibilidades de vida e de morte, mas nunca de estaticidade, que não deixa de ser uma forma de morte. Não defendamos verdades absolutas porque parece que não existem. Não esqueçam que o que parece de uma forma para mim pode parecer diferente para vocês; por isso vejo oportuno que se sirvam de certa moderação ao ler isto.
          Para o futuro são esperados mais terremotos, mais inundações, mais eleições de presidentes mulheres, mais casamentos entre pessoas do mesmo sexo, mais universidades, mais janelas gradeadas, mais carros nas ruas com suas sirenes inquietas e denunciantes, mais pestes, mais tecnologias e muito mais verdades; mais resistência, mais ponto de vista, mais solidariedades, mais seres humanos e mais modos de serem humanos. Finalmente, desgraçadamente, espera-se mais corrupção. Mas há esperança de que um dia possamos dar à corrupção o mesmo destino que foi dado ao trema recentemente.
Valdson Amorim