domingo, 4 de julho de 2010

PROSTITUIÇÃO E MORTE DO REGIME

Não há dúvidas de que a democracia é, se não o melhor regime político da atualidade, um dos melhores e o mais aceito em grande parte do mundo. Até os mais graves defeitos das sociedades que hoje se consideram democratas não se comparam com a restrição da liberdade do ser humano ou a proscrição dos direitos fundamentais das pessoas em sociedades autoritárias, com regimes ditatoriais. A reputação da democracia está em alta.

Uma das provas de que a democracia é um regime em alta é o fato de que até os maiores ditadores do nosso tempo reivindicam para si o título de “democratas”. Em democracia as liberdades básicas são respeitadas e os direitos fundamentais são reconhecidos e defendidos, pelo menos assim o é em teoria, o que equivale dizer que “pelo menos assim deveria ser”.

Do ponto de vista da formalidade, a democracia é melhor que qualquer regime que não considere relevante o reconhecimento e defesa dos direitos humanos. Do ponto de vista da prática cotidiana, da aplicação dos princípios básicos da democracia, não é mais que mais um regime, viciado e permissivo.

Em nossa sociedade tudo é possível, desde que seja feito em nome da democracia. Sendo assim, não há ditador que não queira vestir-se de democrata, justamente porque encontra no regime, fragilizado e agonizante, mas sobrevivente de suas próprias mazelas, o cobertor perfeito. Tudo o que um ditador precisa é de uma manta cômoda atrás da qual possa se esconder.

O ditador não respeita os direitos nem as liberdades básicas das pessoas. Prática repugnante, reprovada pelas autoridades verdadeiramente democratas. Mas isso o ditador pode fazer sem escrúpulos se o faz em nome da democracia. Por isso é que a democracia não passa de ser, neste momento, em muitos contextos e nações, um mero cobertor, a capa purificadora das intenções, o muro cuja espessura detém qualquer tentativa de violação opositora.

A democracia não é uma mera formalidade, mas parece sê-lo. A democracia não é um mero regime formal; é uma forma de vida, mas pode ser também de morte. A ditadura não poderia ser mais rígida, porque o ser humano não aguentaria tanto; já a democracia não pode ser mais liberal, escancarada, permissiva, porque ela mesma não resistirá o peso de sua própria flexibilidade.

Da flexibilidade do regime se aproveitam seus inimigos, que são muitos e poderosos. Um dos mais representativos e ameaçadores é a corrupção, filha da prostituta mais bem cuidada no Brasil: a impunidade. A impunidade é criada, acariciada e alimentada entre as paredes cegas e surdas dos gabinetes, que mais parecem antros onde se dá o acabamento às conspirações contra o povo brasileiro. A impunidade pare diariamente, mas há aqui um paradoxo: quanto mais ela pare mais órfãos ela faz. Será que a sociedade seria melhor se os pais dos filhos da impunidade a assumissem como mãe de seus filhos?

Tão querida e tão prostituída. Tão desejada e ao mesmo tempo tão desvalida. É, democracia, estamos no mesmo barco! A diferença entre nós é que em teu nome posso defender-me e até atacar quem me ataca; já tu, és atacada em teu próprio nome. A minha salvação és tu. A tua ainda não sabemos quem será.

Eu sei que a tua "reputação" é muito mais do que as seis primeiras letras do termo qualificador entre aspas, mas sei que estão querendo te reduzir a isso. Seria o teu fim! Não seria, talvez, um fim nefasto nem triste, mas seria um fim indigno de ti. Diante disso, a única coisa que peço é que eu morra antes que tu, porque não resistiria presenciar o teu falecimento. Se a tua agonia já me aproxima do meu fim, o teu fim não seria teu, mas nosso, porque o meu viria como consequência.
Valdson Amorim

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